LUCAS MILLIONS DUTRA REPRESENTA PORTUGAL COM FILME EM CANNES: “OLHARAM PARA MIM E PERCEBERAM ‘NãO, NãO, ELE NãO é Só O ATOR DAS NOVELAS’”

Depois da vitória no #TikTokShortFilm, Lucas Millions Dutra triunfou de novo. Desta feita começou pelo “48 Hours Film Project”, em Portugal, e acabou a arrebatar “Melhor Filme” no Filmapalooza. Pelo segundo ano consecutivo está entre os realizadores no Short Film Market do Festival de Cannes

Lucas Millions Dutra recebe o Expresso na agitação de uma quarta-feira ocupada. Por volta das 16h, o almoço ainda continua a ser adiado, ao sabor das várias (e consecutivas) entrevistas e sessões de fotografias do dia, quase todas emolduradas pelo verde citadino da Avenida da Liberdade.

O frenesim de jornalistas é provocado pelo sucesso da curta-metragem que realizou. “Do Outro Lado” venceu a edição portuguesa do “48H Film Project” e, depois disso, contra os vencedores das edições internacionais de outros 45 países, arrecadou o prémio de Melhor Filme no Filmapalooza, o que o leva ao Festival de Cannes pelo segundo ano consecutivo. Além disso, continua a todo o vapor com a promoção da longa-metragem “Revolução sem Sangue”, em que participa enquanto ator.

A nova viagem à cidade francesa, na segunda quinzena deste mês de maio, sucede-se a uma primeira, em 2023, quando venceu o concurso mundial #TikTokShortFilm com “(Nós) na Cabeça”.

Consuma-se assim uma viragem na carreira de Lucas, mais conhecido da maioria dos portugueses pela sua participação em várias telenovelas do que como realizador. Aos 24 anos já fez o pleno dos canais generalistas: começou aos 13 na RTP1, depois disso passou pela SIC e agora está no ar na TVI, com “Cacau”.

O jovem não renega essa origem: “Qualquer ator em Portugal que consegue estar a trabalhar está satisfeito. Sabemos que este meio é difícil e darem-me a prova de confiança de eu continuar a fazer novelas, haja o preconceito que houver contra elas, é um trabalho inacreditável sempre”, sublinha.

“Poder estar a fazer personagens novas e confiarem-me personagens novas é uma coisa a que dou muito valor”, refere. No entanto, não esconde a satisfação por “apagar um bocadinho o carimbo da novela”, agradecendo a oportunidade a Hermano Moreira e Rui Pedro Sousa, que o convidaram, respetivamente, para “Hotel Amor” e “Revolução sem Sangue”, duas longas-metragens, esta última já em exibição.

“Em Portugal ainda existe muito este preconceito de que ator de teatro faz teatro, ator de cinema é ator de cinema e ator de novela é ator de novela, e todos ganhamos quando esbatemos essas barreiras, e conseguimos ter trabalhos inacreditáveis”, sublinha.

Prémios abriram portas para a realização

“Eu estava a fazer o ‘48 Horas’... no meio das filmagens, estava na casa de banho a fazer xixi, quando recebi a notícia do Tiktok, de que íamos a Cannes”, relata, entre risos, o ator e realizador. “E depois fomos novamente escolhidos para ir a Cannes com este filme. Ganhar em Lisboa, para mim, já tinha sido inacreditável, então ir ao Filmapalooza, que é um festival muito grande e internacional, ainda mais”.

Mas o que é, afinal, o “48 Hours Film Project”? Como o nome indica, a missão dos participantes é fazer um filme em 48 horas, entre sexta-feira e domingo.

“O processo em si acho que é muito simples: sexta-feira à noite é sorteado o 'genre' [género] do filme que temos de fazer. A nós calhou-nos ficção científica. Recebe-se uma personagem que temos de incluir obrigatoriamente, um objeto obrigatório, e uma fala obrigatória. O tema, que neste caso foi inteligência artificial, fomos nós a escolher", explica.

No filme é detalhada uma versão física e humanizada do “outro lado”, oculto, de um sistema de inteligência artificial como o ChatGPT, chamado “ChatBotBuddy”: “Se isto é ‘o outro lado’, se já é a máquina dentro da máquina, vamos manter as coisas físicas, analógicas”, prossegue.

Nesta história, o protagonista, Gabriel PT, mantém uma rotina diária, em que recebe pedidos, na forma de tickets de papel, que vai despachando, carimbando e furando, ao mesmo tempo que recebe updates, na forma de caixas de livros que armazena numa base de dados de conhecimento que são várias prateleiras. “Humanizámos literalmente a inteligência artificial, dando-lhe a forma de uma pessoa, e contando a história de uma espécie de ‘casal’, em que retratamos quase um romance entre a inteligência artificial e o malware, o vírus que o vai afetar”.

Foi o fascínio com a inteligência artificial, mas também os receios que esta lhes causa, que motivaram a equipa a tratar este tema: “Este é o mundo em que estamos a viver agora e, sinceramente, fico tão fascinado quanto medroso. Eu tenho algum medo da questão da inteligência artificial. Neste momento são ferramentas, mas será que vão ser sempre ferramentas. E será que essas ferramentas usadas para coisas boas não podem fazer também coisas más?”. “Tentamos tratar um tema que fosse atual, mas que, de alguma forma, fosse próximo das pessoas”, revela.

A história de uma nova vitória

Na gala final do Filmapalooza, “já tinha quase a certeza que não ia ganhar, e de repente já estou meio ‘bem, vamos embora, filme final e tal, vou-me levantar para sair’... e do nada eles começam a falar sobre o filme.

"Isto é para uma equipa de jovens talentosos que conseguiram combinar muitos elementos a nível de história e realização... vai para… ‘Du Ótrô Ládo’’, porque eles não sabem dizer, não é? E eu olho para o Eduardo [Queiroz, co-argumentista] e grito ‘aquele é o nosso filme!’. Começamos uma festa, a gritar, abraçados, vamos ter com o Ricardo, do 48 Horas de Lisboa. Foi inacreditável”.

A realização tem se afirmado na vida de Dutra: “Esse espaço que eu tenho vindo a ganhar, felizmente, tem sido através dos prémios. O prémio do TikTok, por muito que seja no TikTok, abriu-me portas na TVI, para realizar o Pitch na CNN Portugal, e no mercado em geral”.

“Olharam para mim e perceberam ‘não, não, ele não é só o ator das novelas”, admite. “Ele não é só ator, ele está a fazer coisas como criador, como realizador e argumentista e está a correr bem”, refere.

“É engraçado como é que de repente quase que tenho, agora, mais reconhecimento como realizador, pelo menos a nível de prémios e de colocação no mercado. Parece quase que tenho mais valor agora como realizador do que tinha como ator”, diz.

“Nunca na vida pensei que aos 24 anos iria estar a ir duas vezes ao Festival de Cannes e a trabalhar como realizador de publicidade, a planear projetos [de ficção] e a tentar vendê-los para plataformas de streaming e coisas maiores”, confessa, enquanto espera que Cannes possa abrir portas para novos projetos e negócios.

“Portugal pára. Seja meia hora, seja uma hora, nós paramos e sentamo-nos para comer”. Na Netflix “dão-nos uma caixa de comida embalada”

Recentemente, Lucas Dutra conseguiu uma primeira participação na série estrangeira “Vikings: Valhalla”, da Netflix. Quando questionado sobre a maior diferença entre aquilo a que assistiu nessa experiência e o que vive à escala de uma produção portuguesa, a resposta não surpreende: “Dinheiro.”

“É tão simples, é business, é tão simples quanto isso”, afirma, sorridente. “Efetivamente com o dinheiro vêm muitas outras coisas", diz. “O que mais muda é o tempo que temos para fazer, e a produção”, sublinha.

"De repente, eu aqui quero fazer uma cena com um cavalo. Em Portugal tenho um cavalo, e se calhar é um pónei. Lá fora tenho seis cavalos e consigo ter seis cavalos todos a correr, e tenho técnicos para acompanhar os cavalos. Há coisas que o jeitinho português consegue dar a volta, mas há outras que não, em que a diferença do valor de produção vai afetar o produto. E acho que isso é unânime”, reflete.

Contudo, nem tudo são rosas. “Há pequenos detalhes que eu acho supercuriosos de colocar em cima da mesa”, atira. “Nós aqui estamos a falar de uma produção grande, em que supostamente há tempo, há catering, há comida... e nós lá simplesmente não parávamos para comer, traziam-nos um tupperwarezinho de comida embalada e comias em pé enquanto preparavam a próxima cena”, algo radicalmente diferente do que aconteceria numa série ou telenovela portuguesas.

“Há uma coisa que nós portugueses mantemos, e acho que é das coisas mais incríveis que temos: Portugal pára, seja meia hora, seja uma hora, nós paramos e sentamo-nos para comer. É superengraçado como temos isto intrínseco na nossa forma de trabalhar”, partilha.

“Não, não, espera, isto é hora de almoço, pá. Pára, senta-te e vamos comer comida boa”, sublinha, repetindo as palavras de um membro imaginário da equipa, enquanto realça o “espírito de família” que se vive nas equipas nacionais. “Lá, o que pude ver foi que existe uma separação maior entre elenco e técnicos, e aqui em Portugal essa barreira é cada vez mais ténue, e isso traz muitas vantagens”.

Na internacionalização da sua carreira continua ainda por concretizar um outro objetivo: o Brasil. Com dupla nacionalidade luso-brasileira, Lucas Millions Dutra esteve quase a consegui-lo antes da pandemia, em 2020, na telenovela “Salve-se Quem Puder”, da Globo. “Estava tudo fechado, ia comprar as passagens e de repente, epá, está aqui uma tosse um bocado estranha...”. E foi assim que ficou para já em suspenso o desejo de trabalhar lá “como ator inicialmente e depois, quem sabe, como realizador também”.

Entre ator e realizador vai ficar uma eterna indecisão? "No final da minha carreira eu quero que esteja na lápide, ou lá onde estiver - ‘Lucas Millions Dutra, realizador / ator... talvez argumentista. Realizador e ator têm de lá estar as duas, sem dúvida nenhuma”.

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